quinta-feira, 29 de maio de 2014

Resenha - apresentando a tese, os argumentos e a solução propostos pelo autor

Mitos do combate à pobreza
                                                                                   ODED GRAJEW 

   Elenco a seguir alguns mitos que circulam sobre a pobreza.
   Primeiro mito: A erradicação da pobreza é um processo lento.
   A maioria das pessoas, mesmo aquelas que têm uma real preocupação com a pobreza, suspiram diante dos terríveis indicadores brasileiros e se confortam (e/ou se alienam) afirmando: "Mudar esta situação é um lento processo".
   Imaginemos uma pessoa pobre que venha a mim pedindo para deixar de ser pobre. Eu poderia lhe dizer que isso é, infelizmente, um processo lento e complicado, que depende de muitas variáveis e que o Brasil não conseguiu resolver esse drama em 500 anos e não vai ser agora, num minuto, que o solucionará.
  Mas também eu poderia pesquisar qual a renda mensal de que essa pessoa necessitaria para deixar de ser pobre e, dependendo de minhas possibilidades financeiras, garantiria a ela essa renda, desembolsando imediatamente a primeira parcela. Instantaneamente essa pessoa deixaria de ser pobre.
   Se isso fosse feito com todos os pobres brasileiros, teríamos uma rápida erradicação da pobreza em nosso país. Trata-se, portanto, de mapear os pobres e miseráveis deste país (o IBGE acaba de fazer esse levantamento) e assegurar a cada um uma renda mínima (um direito que cada cidadão possui, pela Constituição brasileira), que os tire imediatamente da pobreza.
   Segundo mito: Não se deve dar o peixe aos pobres, mas ensiná-los a pescar.
As duas posturas -dar o peixe e ensinar a pescar- são tidas como mutuamente excludentes, o que conforta (e/ou aliena) todos que se sentem impotentes diante da miséria brasileira. Deve-se "dar o peixe" e, concomitantemente, ensinar a pescar! Quem tem fome não consegue levantar a vara nem entender as instruções para a pesca.
   Tenho certeza de que a maioria dos leitores deste artigo chegou aonde chegou porque seus pais assim agiram com eles. A todos foi assegurado o peixe nos primeiros (e a muitos privilegiados nem os tão primeiros) anos de suas vidas, enquanto lhes foi ensinada a pesca.
   Portanto cada beneficiário da renda mínima deveria assinar inicialmente um "contrato de cidadania", que, dependendo de cada caso, comprometesse-o com uma ou mais das seguintes atividades: formação educacional e profissional, manutenção dos filhos na escola, prestação de serviços à comunidade etc.

Todos os estudos mostram que há recursos de sobra para acabar com a pobreza. O que falta é vontade política



   Ao governo caberá oferecer as condições para a concretização dessas atividades, estimular as empresas a contratar as pessoas como aprendizes de uma profissão, emprego definitivo, apoio aos projetos filantrópicos etc.; empregar essas pessoas nos programas de obras de serviços essenciais, estimular empreendimentos através da reforma agrária, do crédito rural, do microcrédito etc. O beneficiário da renda mínima sairá do programa no momento em que não cumprir as suas obrigações ou conseguir auferir por conta própria uma renda equivalente ou maior.
   Terceiro mito: Não há recursos para erradicar a pobreza no Brasil.
   Todos os estudos mostram que há recursos de sobra para acabar com a pobreza. O que falta é vontade política. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas informa que R$ 15 mensais arrecadados dos não-pobres seriam suficientes para acabar com a fome dos 50 milhões de pobres brasileiros. O ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque avalia que o custo bruto de um programa de erradicação da pobreza no Brasil seria de, no máximo, R$ 44,4 bilhões por ano. Isso equivale a apenas 10,5% da receita prevista para o setor público e a apenas 4% da renda nacional (riqueza gerada anualmente).
   Uma pesquisa do Banco Mundial revela que, excluindo a Previdência Social (de cujos recursos apenas 8% beneficiam os 20 % mais pobres!), só 19% do gasto social federal atinge os 20% mais pobres! Quem analisar nossos orçamentos públicos ficará horrorizado com o desperdício de recursos causado por corrupção, corporativismo, incompetência e clientelismo.
   Nossos governantes e legisladores não usam os serviços públicos pelos quais têm a responsabilidade de zelar. No momento em que nossas elites políticas fizessem uso da educação primária e secundária, saúde, segurança e transporte públicos, tenho a certeza de que haveria muito mais vontade política para direcionar recursos a fim de melhorar esses serviços. A maioria usa o orçamento para políticas clientelistas, devolver favores ou formar fundos de campanha.
   Os mitos que sustentam a idéia de que o combate à pobreza no Brasil é lento, complicado e inviável financeiramente reforçam a posição dos mal-intencionados, insensíveis e incompetentes. Servem de consolo, mas também de alienação aos que estão com a consciência pesada ou mal informados. Jogam no desespero e na marginalidade milhões de cidadãos brasileiros.
   Aproximadamente 500 crianças abaixo de 5 anos morrem diariamente no Brasil, de pobreza. Essas crianças não podem esperar e aguardam que as pessoas de bem deste país terminem rapidamente com essa vergonha.


Oded Grajew, 57, diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, é presidente do Conselho de Administração da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e membro do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil.